segunda-feira, 21 de maio de 2012

Felizmente Há Luar!


Entrelaçamento de dois tempos



Sttau Monteiro
Sttau Monteiro, na sua obra, Felizmente Há Luar!, entrelaçou dois tempos, servindo-se um deles (sec. XIX) como máscara para encobrir a verdadeira época que pretendia retratar (sec. XX).

Recorrendo ao processo de distanciação histórica no tempo, o dramaturgo fez reviver o drama de Gomes  Freire – a sua denúncia, prisão, enforcamento e fogueira – num ambiente onde as forças do poder manipulavam. Tudo e todos, tinham ao seu serviço uma polícia desumana, injusta e oprimiam o povo, mantendo-o analfabeto e na miséria. Contudo, a sua verdadeira intenção para denunciar o Estado Novo e a polícia salazarista que erguia o estandarte do medo através da PIDE e dos seus agentes, que era manipulada pelos monopólios estrangeiros, e mantinham o povo numa situação de perfeita miséria e analfabetismo.

Sendo F.H.L! um teatro épico , este tem o objetivo de despertar no espetador a análise e a reflexão, mantendo a distância emotiva e conduzido à ação. Assim, pode dizer-se que o passado (sec. XIX) é, metaforicamente, uma janela aberta por onde os espetadores podem espreitar e ver o presente político da sua época, onde eles próprios estão aprisionados e sem liberdade, mas de onde têm de ser capazes de se libertar e conquistar os seus direitos.



TEMPO DA HISTÓRIA – sec. XIX - 1817
TEMPO DA ESCRITA – sec. XX - 1961
Agitação social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta contra a presença da corte no Brasil e a influência do exército britânico;
Agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial;
Regime absolutista e tirânico;
Regime ditatorial de Salazar;
Classes sociais fortemente hierarquizadas; classes dominantes com medo de perder privilégios;
Maior desigualdade entre abastados e pobres; classes exploradoras, com reforço do seu poder;
Povo oprimido e resignado;
Obscurantismo, mas “felizmente há luar”;
Povo reprimido e explorado; Obscurantismo, mas crenças nas mudanças;
Manuel, “o mais consciente dos populares” denuncia a opressão;
Luta contra o regime totalitário e ditatorial; Agitação social e política com militantes antifascistas a protestarem;
Perseguições dos agentes de Beresford; as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento que hipócritas e sem escrúpulos, denunciam;
Perseguições da PIDE; Censura
Severa repressão dos conspiradores; processos sumários e pena de morte;
Prisão e duras medidas de repressão e de tortura; condenação em processos sem provas;
Execução do general Gomes Freire, em 1817.
Posterior a Felizmente Há Luar! – Execução do general Humberto Delgado, em 1965



Simbologia presente na obra
Em Felizmente Há Luar! há elementos com elevada carga simbólica, cuja descodificação ajuda a compreender a mensagem da obra.

Salienta-se, em primeiro lugar, o título, expressão preferida por duas personagens de “mundos” diferentes: D. Miguel, símbolo do Poder, considera que o luar permitirá que o clarão da fogueira seja visto por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar pela liberdade, numa clara função repressora; para Matilde de Melo o luar tem uma função dissuasora, sublinhando a intensidade do fogo, incitando à ousadia daqueles que acreditam na mudança e na caminhada para a “luz da liberdade”.

A noite simboliza o poder das trevas, a escuridão, o obscurantismo e a ausência de liberdade, intimamente relacionado com o poder do absolutismo; o luar simboliza a renovação, a luz e a claridade que tem a função de quebrar a escuridão da noite. A saia verde representa a liberdade, o amor e a esperança de Matilde no renascer das ideias do General. É o sinal de que o seu luto se converteu em esperança. O luto de Sousa Falcão é o resultado da análise que a personagem faz a si próprio num gesto de auto-reflexão, onde se caracteriza como traidor, cobarde e incapaz de lutar pelos seus ideais. O luto de Sousa Falcão é um claro sinal de que há homens que não conseguem concretizar os seus objetivos, pois o medo sobrepõe-se aos seus sonhos e, embora conscientes deste comportamento (por isso surge o luto), mantêm-se atrás e não age frontalmente. Os tambores simbolizam a repressão sempre presente.



texto principal é constituído pelas falas das personagens;

texto secundário ou didascálico fornece ao leitor a listagem inicial das personagens, a distribuição das falas pelas diferentes personagens, a divisão do texto em atos e cenas, as indicações sobre a posição que cada personagem deve assumir em palco, os seus gestos, o tom de voz, a expressão do rosto, o cenário, o guarda-roupa, a iluminação, os adereços de cena, enfim, todas as informações e indicações pensadas pelo autor para a leitura/representação da peça. 
    Em Felizmente Há Luar! Sttau Monteiro fornece muitos elementos de texto secundário. Porquê? Bem, provavelmente Sttau Monteiro sabia que, apesar de situar a ação do seu texto no século XIX, não enganaria a censura, como não enganou, e a sua peça não seria representada. Deste modo, através de um texto de "margem esquerda", faz ouvir a sua voz, propondo uma determinada interpretação, ao encenar abundantemente a leitura do seu texto. Algumas indicações didascálicas, logo na listagem de personagens, fornecem uma " arrumação" de papéis, como podemos verificar no exemplo a seguir:


     As indicações são bastante minuciosas no que diz respeito:

·                     Às atitudes das personagens  
                  - " A pergunta é acompanhada dum gesto que revela a impotência da personagem perante o problema em causa. Este gesto é francamente "representado". " (p.15)

·                     À iluminação
               - " Ao abrir o pano a cena está às escuras, encontrando-se uma única personagem intensamente iluminada, ao centro e à frente do palco" (p.15)

·                     Ao cenário e adereços de cena
               - " De pé e sentadas, várias figuras populares conversam. Algumas dormem estendidas no chão. Uma velha, sentada num caixote, cata piolhos a uma rapariga." (p.16)

·                     Ao som
               - " Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído dos tambores." (p.16)





                                          
Estrutura Externa
     Contrariamente ao texto de teatro clássico, Felizmente há luar! apresenta-se apenas dividido em dois atos, sem qualquer indicação de cenas. Os momentos cénicos são identificados pelas saídas e entradas de personagens e pelo jogo de sombra/luz e som. 

Estrutura Interna
Compõe-se de três momentos:

- a exposição, em que se apresentam as personagens e informações elementares sobre a acção e seus antecedentes, o tempo, o conflito e o espaço da ação, que tem os seus momentos de avanço e de retardamento;

- o climax, que corresponde ao ponto em que o conflito atinge a máxima intensidade dramática e em que se revelam as posições antagónicas;

- o desfecho, que é o desenlace da ação dramática. 

Personagens:


Matilde- " a companheira de todas as horas", corajosa, exprime romanticamente o amor; reage violentamente perante o ódio e as injustiças; afirma o valor da sinceridade; desmascara o interesse, a hipocrisia; ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre.


Gomes Freire D'Andrade - personalidade carismática e de prestígio, admirada pelo povo, desperta ódios e inveja nos poderosos, opõe-se à presença inglesa em Portugal e à ausência do rei. Luta pela liberdade.  


Opressores:


D. Miguel Forjaz - prepotente, corrompido pelo poder, vingativo. 

Principal Sousa - fanático, corrompido pelo poder, eclesiástico.

Beresford - poderoso, mercenário, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico general inglês, severo e disciplinador; Mandou matar Gomes Freire D'Andrade.


Os Delatores:


Vicente - demagogo, sarcástico, falso humanitarista, movido pelo interesse da recompensa material, adulador no momento oportuno, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado, capaz de recorrer à traição para ser promovido socialmente. 

Andrade Corvo - Capitão do exército, mau oficial, ignorante, pedreiro-livre (ex-maçon), traidor, desonesto, corrupto, denunciante, interesseiro, oportunista.

Morais Sarmento- Capitão do exército, ex-membro da maçonaria, traidor, preocupado com a opinião alheia, desonesto, corrupto, denunciante, interesseiro, ambicioso. 


Povo:


Manuel - " o mais consciente dos populares", andrajosamente vestido; assume algum protagonismo por dar início aos dois atos; denuncia a opressão a que o povo tem estado sujeito e a incapacidade de conseguir a libertação e sair da miséria em que se encontra.

Antigo Soldado – antigo militar, experiente, alegre, contador de histórias passadas.

Rita – mulher sensível, fraterna, solidária, apaixonada pelo marido.

Populares – pobres, miseráveis andrajosos.


Os amigos:


Sousa Falcão - " o inseparável amigo", sofre junto de Matilde perante a condenação do general, assume os mesmos ideias de justiça e de liberdade, mas não teve a coragem daquele.

Frei Diogo – honesto, fiel, solidário, caracter de elevada espiritualidade. 



Valores de Liberdade 

             Desde sempre o Homem recorreu à arte como meio de comunicação e, por vezes, de intervenção e defesa. Mas enquanto uns a consideravam uma necessidade de expressão e realização, outros censuravam-na. As canções de resistência consideradas após a revolução de Abril de 1974, bem como alguns poemas,  são o que, ao longo dos tempos, permitem a denúncia dos regimes opressores e da falta de liberdade.

            Como sabemos, a ação de Felizmente há luar! decorre em 1817, um tempo marcado pela conspiração e pelo desejo de liberdade tal como aconteceu em 1961, tempo de escrita da obra, em que Portugal se encontrava em plena ditadura do regime de Salazar. Sendo esta obra marcada pela opressão, censura, revolução e urgência na luta pela liberdade, decidi deixar aqui uma das canções de resistência que marcou o Abril de 1974 em Portugal.



Nenhum comentário:

Postar um comentário