Sttau Monteiro |
Sttau
Monteiro, na sua obra, Felizmente Há Luar!, entrelaçou dois tempos, servindo-se
um deles (sec. XIX) como máscara para encobrir a verdadeira época que pretendia
retratar (sec. XX).
Recorrendo
ao processo de distanciação histórica no tempo, o dramaturgo fez reviver o
drama de Gomes Freire – a sua denúncia,
prisão, enforcamento e fogueira – num ambiente onde as forças do poder
manipulavam. Tudo e todos, tinham ao seu serviço uma polícia desumana, injusta
e oprimiam o povo, mantendo-o analfabeto e na miséria. Contudo, a sua
verdadeira intenção para denunciar o Estado Novo e a polícia salazarista que
erguia o estandarte do medo através da PIDE e dos seus agentes, que era
manipulada pelos monopólios estrangeiros, e mantinham o povo numa situação de
perfeita miséria e analfabetismo.
Sendo F.H.L!
um teatro épico , este tem o objetivo de despertar no espetador a análise e a reflexão,
mantendo a distância emotiva e conduzido à ação. Assim, pode dizer-se que o
passado (sec. XIX) é, metaforicamente, uma janela aberta por onde os espetadores
podem espreitar e ver o presente político da sua época, onde eles próprios estão
aprisionados e sem liberdade, mas de onde têm de ser capazes de se libertar e
conquistar os seus direitos.
Simbologia presente na obra
TEMPO DA HISTÓRIA – sec. XIX - 1817
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TEMPO DA ESCRITA – sec. XX - 1961
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Agitação
social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta
contra a presença da corte no Brasil e a influência do exército britânico;
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Agitação
social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra
colonial;
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Regime
absolutista e tirânico;
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Regime
ditatorial de Salazar;
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Classes
sociais fortemente hierarquizadas; classes dominantes com medo de perder privilégios;
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Maior
desigualdade entre abastados e pobres; classes exploradoras, com reforço do
seu poder;
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Povo
oprimido e resignado;
Obscurantismo,
mas “felizmente há luar”;
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Povo
reprimido e explorado; Obscurantismo, mas crenças nas mudanças;
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Manuel, “o
mais consciente dos populares” denuncia a opressão;
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Luta contra
o regime totalitário e ditatorial; Agitação social e política com militantes
antifascistas a protestarem;
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Perseguições
dos agentes de Beresford; as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais
Sarmento que hipócritas e sem escrúpulos, denunciam;
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Perseguições
da PIDE; Censura
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Severa repressão
dos conspiradores; processos sumários e pena de morte;
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Prisão e
duras medidas de repressão e de tortura; condenação em processos sem provas;
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Execução
do general Gomes Freire, em 1817.
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Posterior
a Felizmente Há Luar! – Execução do general Humberto Delgado, em 1965
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Simbologia presente na obra
Em
Felizmente Há Luar! há elementos com elevada carga simbólica, cuja
descodificação ajuda a compreender a mensagem da obra.
Salienta-se,
em primeiro lugar, o título, expressão preferida por duas personagens de “mundos”
diferentes: D. Miguel, símbolo do Poder, considera que o luar permitirá que o
clarão da fogueira seja visto por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar
pela liberdade, numa clara função repressora; para Matilde de Melo o luar tem
uma função dissuasora, sublinhando a intensidade do fogo, incitando à ousadia
daqueles que acreditam na mudança e na caminhada para a “luz da liberdade”.
A noite
simboliza o poder das trevas, a escuridão, o obscurantismo e a ausência de
liberdade, intimamente relacionado com o poder do absolutismo; o luar simboliza
a renovação, a luz e a claridade que tem a função de quebrar a escuridão da
noite. A saia verde representa a liberdade, o amor e a esperança de Matilde no
renascer das ideias do General. É o sinal de que o seu luto se converteu em
esperança. O luto de Sousa Falcão é o resultado da análise que a personagem faz
a si próprio num gesto de auto-reflexão, onde se caracteriza como traidor,
cobarde e incapaz de lutar pelos seus ideais. O luto de Sousa Falcão é um claro
sinal de que há homens que não conseguem concretizar os seus objetivos, pois o
medo sobrepõe-se aos seus sonhos e, embora conscientes deste comportamento (por
isso surge o luto), mantêm-se atrás e não age frontalmente. Os tambores
simbolizam a repressão sempre presente.
O texto
principal é constituído pelas falas das personagens;
O texto
secundário ou didascálico fornece ao leitor a listagem inicial das
personagens, a distribuição das falas pelas diferentes personagens, a divisão
do texto em atos e cenas, as indicações sobre a posição que cada personagem
deve assumir em palco, os seus gestos, o tom de voz, a expressão do rosto, o
cenário, o guarda-roupa, a iluminação, os adereços de cena, enfim, todas as
informações e indicações pensadas pelo autor para a leitura/representação da
peça.
Em Felizmente Há Luar! Sttau
Monteiro fornece muitos elementos de texto secundário. Porquê? Bem,
provavelmente Sttau Monteiro sabia que, apesar de situar a ação do seu texto no
século XIX, não enganaria a censura, como não enganou, e a sua peça não seria
representada. Deste modo, através de um texto de "margem esquerda",
faz ouvir a sua voz, propondo uma determinada interpretação, ao encenar
abundantemente a leitura do seu texto. Algumas indicações didascálicas, logo na
listagem de personagens, fornecem uma " arrumação" de papéis, como
podemos verificar no exemplo a seguir:
As indicações são bastante minuciosas
no que diz respeito:
·
Às atitudes das personagens
- " A pergunta é acompanhada dum gesto que revela a
impotência da personagem perante o problema em causa. Este gesto é francamente
"representado". " (p.15)
·
À iluminação
- " Ao abrir o pano a cena está às
escuras, encontrando-se uma única personagem intensamente iluminada, ao centro
e à frente do palco" (p.15)
·
Ao cenário e adereços de cena
- " De pé e sentadas, várias figuras populares conversam. Algumas
dormem estendidas no chão. Uma velha, sentada num caixote, cata piolhos a uma
rapariga." (p.16)
·
Ao som
- " Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído dos tambores." (p.16)
Estrutura Externa
Contrariamente ao texto de teatro clássico, Felizmente
há luar! apresenta-se apenas dividido em dois atos, sem qualquer indicação de
cenas. Os momentos cénicos são identificados pelas saídas e entradas de
personagens e pelo jogo de sombra/luz e som.
Estrutura Interna
Compõe-se de
três momentos:
- a exposição, em que se apresentam as personagens e informações
elementares sobre a acção e seus antecedentes, o tempo, o conflito e o espaço
da ação, que tem os seus momentos de avanço e de retardamento;
- o climax, que corresponde ao ponto em que o conflito atinge a
máxima intensidade dramática e em que se revelam as posições antagónicas;
- o desfecho, que é o desenlace da ação dramática.
Personagens:
Matilde- " a companheira
de todas as horas", corajosa, exprime romanticamente o amor; reage
violentamente perante o ódio e as injustiças; afirma o valor da sinceridade;
desmascara o interesse, a hipocrisia; ora desanima, ora se enfurece, ora se
revolta, mas luta sempre.
Gomes Freire D'Andrade - personalidade
carismática e de prestígio, admirada pelo povo, desperta ódios e inveja nos
poderosos, opõe-se à presença inglesa em Portugal e à ausência do rei. Luta
pela liberdade.
Opressores:
D. Miguel Forjaz - prepotente,
corrompido pelo poder, vingativo.
Principal Sousa - fanático, corrompido pelo
poder, eclesiástico.
Beresford - poderoso, mercenário,
interesseiro, calculista, trocista, sarcástico general inglês, severo e
disciplinador; Mandou matar Gomes Freire D'Andrade.
Os Delatores:
Vicente - demagogo,
sarcástico, falso humanitarista, movido pelo interesse da recompensa material,
adulador no momento oportuno, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado,
capaz de recorrer à traição para ser promovido socialmente.
Andrade Corvo - Capitão do
exército, mau oficial, ignorante, pedreiro-livre (ex-maçon), traidor,
desonesto, corrupto, denunciante, interesseiro, oportunista.
Morais Sarmento- Capitão do exército,
ex-membro da maçonaria, traidor, preocupado com a opinião alheia, desonesto,
corrupto, denunciante, interesseiro, ambicioso.
Povo:
Manuel - " o mais
consciente dos populares", andrajosamente vestido; assume algum
protagonismo por dar início aos dois atos; denuncia a opressão a que o povo tem
estado sujeito e a incapacidade de conseguir a libertação e sair da miséria em
que se encontra.
Antigo Soldado – antigo
militar, experiente, alegre, contador de histórias passadas.
Rita – mulher sensível,
fraterna, solidária, apaixonada pelo marido.
Populares – pobres,
miseráveis andrajosos.
Os amigos:
Sousa Falcão - " o
inseparável amigo", sofre junto de Matilde perante a condenação do
general, assume os mesmos ideias de justiça e de liberdade, mas não teve a
coragem daquele.
Frei Diogo – honesto, fiel, solidário, caracter de elevada espiritualidade.
Desde sempre o Homem
recorreu à arte como meio de comunicação e, por vezes, de intervenção e defesa.
Mas enquanto uns a consideravam uma necessidade de expressão e realização,
outros censuravam-na. As canções de resistência consideradas após a revolução
de Abril de 1974, bem como alguns poemas, são o que, ao longo dos tempos,
permitem a denúncia dos regimes opressores e da falta de liberdade.
Valores
de Liberdade
Como sabemos, a ação
de Felizmente há luar! decorre em 1817, um tempo marcado pela
conspiração e pelo desejo de liberdade tal como aconteceu em 1961, tempo de
escrita da obra, em que Portugal se encontrava em plena ditadura do regime de
Salazar. Sendo esta obra marcada pela opressão, censura, revolução e urgência
na luta pela liberdade, decidi deixar aqui uma das canções de resistência que
marcou o Abril de 1974 em Portugal.
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